domingo, 22 de abril de 2012

Ainda esperamos por esses visitantes


A apenas um dia do lançamento de The Visitors Deluxe, as atenções dos fãs e admiradores do ABBA se voltam ainda mais para esse álbum, o último lançado pelo grupo, no final de 1981. Pode não ser o disco mais popular do quarteto, mas certamente é um marco. Não só por ter sido o último, mas por uma série de outras razões: os dois casais do ABBA estavam divorciados, as letras das canções tiveram mudanças consideráveis, estavam mais longas, mais complexas e teatrais e menos alegres. Foi também o primeiro álbum a ser lançado no formato CD (compact disc), na época a grande promessa da tecnologia.

A fábrica da Philips, na Alemanha - onde o primeiro CD do mundo foi fabricado - pertencia à gravadora PolyGram. E o primeiro CD do mundo foi justamente The Visitors, que teve o privilégio de sair do forno da fábrica em novembro de 1982 (exatamente um ano após o lançamento do álbum). Naquela época os CDs ainda engatinhavam no mercado e foram surgindo pouco a pouco. Para se ter uma ideia, um limitado catálogo com apenas 150 títulos era o que havia disponível naquele formato. A maioria era de música clássica. Nesse aspecto o ABBA saiu na frente, apesar da carreira do grupo ter chegado ao final.


Mas talvez o que mais tenha marcado os fãs do ABBA quando The Visitors foi lançado, há mais de 30 anos, foi o tom completamente diferente do álbum. Não só visualmente como também musicalmente. O público podia farejar que o fim estava muito próximo. Benny e Björn, já casados com outras esposas, estavam fazendo os primeiros contatos com Tim Rice para a produção do musical Chess. Agnetha e Frida começavam a se dedicar a projetos solo. A falta de energia dentro do ABBA podia ser notada.


A própria capa do LP dava uma dica do tipo de música ali contida: mais sombria e menos alegre. Os sorrisos haviam desaparecido dos rostos daqueles dois - outrora - felizes casais. Em vez disso, a foto que ilustrava a capa mostrava os quatro em um ambiente meio gótico de uma galeria de arte, à meia luz. Cada um está em um canto diferente, afastados uns dos outros, com expressões sérias. Chegam a passar a impressão de que estão só à espera do aviso de "Corta! OK, terminamos", provavelmente vindo do fotógrafo. Atrás deles, "Eros" (1905), um imenso quadro do pintor sueco Julius Kronberg, onde um anjo olha melancolicamente para baixo, como se estivesse de fato olhando para aquelas quatro pessoas que buscavam direções diferentes com seus respectivos olhares. As separações dos casais e, pouco depois, do próprio grupo, conferiram maturidade e complexidade às canções de The Visitors.



No livro Mamma Mia! também falo sobre isso: "Nota-se neste disco um aprofundamento de estilo, inclusive adicionando temas mais complexos, abordando o fantástico e a ficção científica. A letra da canção-título, por exemplo, fala sobre a perigosa situação dos dissidentes da União Soviética, embora ainda permaneça misteriosa". Na época ninguém sabia que a letra lidava com isso. A personagem da canção - que ganha vida na voz de Frida - está trancada em seu  quarto, entre seus livros e quadros, cada vez mais paralisada pelo pânico à medida em que visitantes misteriosos tocam a campainha de sua casa tentando entrar. A letra enigmática deixou os fãs do ABBA curiosos por muito tempo.

Muitas especulações surgiram. Entre elas, possivelmente a mais lógica seja a que destaca influências de Edgar Allan Poe (1809-1849) na letra de The Visitors. Escritor, poeta e precursor da literatura de ficção científica e fantástica modernas, o americano Poe publicou, em 1845, seu popular poema The Raven ("O Corvo"). O início do poema diz:

Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary, 
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore, 
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping, 
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door. 
"'Tis some visitor", I muttered, "tapping at my chamber door - 
- Only this and nothing more."
(Edgar Allan Poe)


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
(Tradução de Fernando Pessoa) 

Outras traduções trazem pequenas diferenças, mas versejam sobre o mesmo tema:

Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."
(Tradução de Machado de Assis)


Era meia-noite fria; e eu, débil e exausto, lia
alguns volumes de vagos saberes primordiais.
E, já quase a adormecer, ouvi lá fora um bater
como o de alguém a querer atravessar meus portais.
“É um visitante que intenta atravessar meus portais” –
pensei. – “Isto, e nada mais!”
(Tradução de Renato Suttana)


Há grande semelhança com o começo da letra de The Visitors. O clima, sombrio e angustiante, é o mesmo:

I hear the doorbell ring and suddenly the panic takes me
[Eu ouço a campainha tocar e de repente o pânico me toma]
The sound so ominously tearing through the silence 
[O som é tão sinistramente rasgando o silêncio]
I cannot move, I'm standing 
[Não consigo me mover, estou parada]
Numb and frozen 
[Travada e congelada]
Among the things I love so dearly 
[Entre as coisas que amo tão afetuosamente]
The books, the paintings and the furniture 
[Os livros, as pinturas e os móveis]
Help me 
[Me ajude]

Em outro trecho a influência também é notável:

These walls have witnessed all the anguish of humiliation 
[Estas paredes testemunharam toda a angústia da humilhação]
And seen the hope of freedom glow in shining faces 
[E viram a esperança de liberdade brilhar nos rostos]
And now they've come to take me 
[E agora eles vieram me levar]
Come to break me 
[Vieram me quebrar]
And yet it isn't unexpected 
[E agora não é inesperado]
I have been waiting for these visitors 
[Tenho esperado por estes visitantes]
Help me
[Me ajude]


Dotado de extraordinária imaginação, além de ter sido intransigente quanto à qualidade literária de sua obra, Poe não se contentou rapidamente com seu poema. Tanto que ele só foi concluído depois de inúmeras modificações ao longo de dez anos. Essa característica, aliás, é muito semelhante ao perfeccionismo de Björn e Benny na composição e arranjo das canções.


Embora hoje não represente mais mistério, a letra de The Visitors, assim como todo o resto do álbum, ainda guarda certa aura de mistério. A mais nova surpresa daquele disco chega em forma de um medley inédito intitulado From a Twinkling Star To a Passing Angel, a grande estrela da edição Deluxe do álbum. É uma espécie de estudo evolutivo da última faixa do disco, Like An Angel Passing Through My Room. É possível escutar os diversos níveis de mudanças sofridas pela canção até se tornar a versão mais enxuta que entrou no álbum em 1981. Muitos fãs que escutaram a faixa pela internet recentemente acham que a versão final escolhida por Benny e Björn para fazer parte do álbum não é a melhor. No entanto, é óbvio que eles, perfeccionistas como eram (e ainda são), tiveram seus motivos. Agora, mais de três décadas depois, teremos a chance de acompanhar mais um pouco do intrínseco trabalho de composição e gravação do ABBA.

3 comments:

ABBA Joy disse...

Até hoje eu nunca havia reparado que há um anjo no quadro! Agora a imagem parece ainda mais sinistra. Sempre que eu olho para a capa do The Visitors me pergunto para o que Agnetha, Björn, Frida e Benny estão olhando.

Abraço

Anônimo disse...

Ainda é um dos LPs que mais gosto, e mais escuto...

daniel disse...

Alguem sabe de algum site onde eu possa mandar uma menssagem para eles e dizer que sou super fã? meu face é daniel silva

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