terça-feira, 23 de novembro de 2010

Vi Magazine, 2010: Rei Benny

Entrevista com Benny Andersson publicada na revista sueca "Vi" em outubro de 2010 onde ele fala sobre o apoio da mãe no início da carreira, o amor pela esposa Mona, a melancolia, o dinheiro na sua vida e muitas outras histórias. Confiram:

Nós conversamos por horas no sofá de veludo vermelho, quando de repente ele pára.

"Eu realmente não gosto disso!"

Muito simpático e sincero. Benny Andersson não gosta disso tudo. Ou melhor: ele gostaria de poder falar livremente. Mas ele mantém os seus segredos. Ele permanece livre de coisas complicadas. Não por causa de si mesmo, mas pelos que não têm voz.

No momento seguinte, ele afirma:

"Eu sei qual título você deve colocar nisso: Eu não quero nenhuma manchete!"

Nós sentamos no Hotel Rival, em Estocolmo. O sofá curvado de veludo próximo à janela é onde ele sempre senta quando está aqui. Nós bebemos água de boa qualidade enquanto uma luz quente e dourada de outono era filtrada pelas folhas verdes das árvores do parque Mariatorget.

No bar, uma foto de Janis Joplin em Woodstock tecida no tapete. O garçom está sobre os seus seios.

Benny é um cara de Estocolmo. Ele ainda parece um menino. Em alguns aspectos, sua história começou no clube juvenil Vällingby quando, aos 15 anos, ele se envolveu com Christina. Ela era uma garota linda, e cantava muito bem. E ela tinha 17 anos! Um ano depois ele se tornou pai.

O que eles diziam em casa?

"Bem, as coisas eram como eram."

Mas nada como... "Mas Benny, você tem apenas 16 anos!?"

"Sim, isso é verdade. Mas depois ficou tudo bem. Como eu disse, as coisas eram como eram.

Göran Bror Benny Andersson iria ser pai. Ele tinha 16 anos e disparou para a idade adulta quando o seu filho Peter nasceu. Benny viveu em casa um pouco, mas ele morou principalmente os avós de Cristina, com ela e com o seu filho. Seis pessoas viviam em um apartamento de dois quartos em Vitangi Street.

"Estava tudo OK", diz ele.

Este seria um grande contraste com a vida que ele passou a ter: renome mundial, muitos discos vendidos, o edifício em Skeppsholmen, a casa no canal de Djurgården, os jardins em Sörmland, barcos, cavalos de corrida. Um dos suecos mais bem sucedidos de todos os tempos.

Sua vida teve uma ou duas mudanças surpreendentes, ele acha.

A vida de todo mundo não é assim? Todos não têm seus altos e baixos? Momentos que parecem triviais e banais, mas que irão alterar para sempre as suas vidas.

Benny Andersson muitas vezes usa a palavra sorte. Que ele não fez nada para isso, por tudo o que ele recebeu. E experimentou.

"Eu me formei na escola secundária, tinha 15 anos e praticava em Svenska Böstader, onde o meu pai trabalhava. Eu costumava encontrar um rapaz com quem às vezes conversava um pouco. Um dia ele me parou e perguntou: "Você pode tocar o órgão" "Sim, eu disse".

Embora ele não pudesse.

A resposta o levou da banda cover Elverket Spelmanslag para o Hep Stars, ídolos das adolescentes. O Hep Stars não está em primeiro plano na memória de todos atualmente, mas em 1965 eles eram sólidos, o cantor Svennne Hedlund era muito atraente.

Terá sido talvez a mãe de Benny quem lhe encorajou a dizer "sim". Sim, em vez de "Não, eu nunca toquei o órgão"?

Sua mãe lhe deu o que ele acredita ser o alicerce para uma vida boa. Autoestima. Uma consciência de que ele iria sobreviver. E então ela lhe deu um piano. E o deixou tocar.

Existe uma tristeza. Um estado de espírito calmo e pensativo. Um vestígio sombrio na aparência jovial.

"Um rosto redondo e barbudo" fazem as pessoas pensarem que você está feliz e amável. Embora esteja claro que isso não é verdade."

Não é?

"Não, claro que não! Portanto, a vida que tenho vivido é ridícula. Não sou eu. Isso não existe. Não foi baseado no meu mérito. É pura sorte."

A palavra novamente. Sorte - ou coincidência.

Benny cresceu em Vällingby. Ele falou muitas vezes sobre o seu pai e sobre o seu avô e os acordeões que eles tocaram. Ele herdou as suas raízes musicais diretamente deles.

Sua mãe?

Ele faz uma pausa. Respira.

"Ela foi a pessoa que me fez sentir que eu era bom o suficiente. Ela me proporcionou o início mais maravilhoso. Minha mãe era uma dona de casa nos anos 50. Uma mulher criativa. Inteligente. Mas ela não tinha nenhuma forma de se expressar. Como tantas outras mulheres naquela época. Presa em uma espécie de prisão."

"Ela estava em casa quando eu chegava da escola. Eu tocava o piano por pelo menos quatro horas por dia. Todos os dias. Eu podia tocar o quanto eu quisesse. Ela nunca me disse que eu a incomodava. Ela não julgava. Ela me fez sentir que o que eu fazia era bom."

Primeiro foi Christina e as crianças. Ele viajava com o Hep Stars. Ela o seguia em suas viagens, e sua filha Helen nasceu no hospital Tranås.

O Hep Stars era um sucesso. Ele tinha 18 anos e era pai de dois filhos. Mas ele também era um adolescente em turnê. Se há algo que ele lamenta é ter deixado os seus filhos.

"Fiz isso quando Christina e eu terminamos. É claro que conversamos sobre isso ao longo dos anos, eu e as crianças, e concluímos que a maior parte das coisas correram bem afinal de contas."

Houve uma época após o The Hep Stars e antes do ABBA em que Benny não sabia para onde a vida estava indo. Foi um período importante. Ele o ensinou a não tomar nada como garantido. Mas como aconteceu Waterloo em Brighton em 1974, tudo começou a fluir.

No ano seguinte o ABBA foi #1 nas paradas americanas. Anni-Frid, Benny, Björn e Agnetha. E Stikkan Anderson. Todos viviam em uma ilha no arquipélago. Passavam os verões juntos e trabalhavam juntos. Eles tentaram não viajar muito porque queriam estar perto das crianças. E para nada interferir em suas composições.

"A vida que eu tenho tido não é uma vida que você pode escolher. Quero dizer, você não pode descobrir. Nascer com um talento não é nada para se vangloriar. Mas acho que é um dever administrar o dom que se recebeu."

Como você faz isso?

"Trabalhando. Passando o maior tempo possível compondo de forma que os resultados possam ser os melhores alcançados. E fazendo as escolhas certas. E não transferir o seu dinheiro para Jersey. Você tem de decidir de que lado da cerca você quer estar. A Suécia é um dos países mais bem sucedidos do mundo. Nós podemos nos dar ao luxo de estarmos lá. Mas se tornou uma sociedade onde a palavra solidariedade tem sido obliterada. Não tem mais significado. A ganância tomou conta."

Benny se chateia à sua própria maneira, em um tipo de forma contida. É óbvio que ele está sendo sincero.

"A ganância é o pior dos pecados mortais."

Um ano atrás houve um rumor quando se soube que Benny era o doador "secreto" do partido político Feministisk Initiativ. Gudrun Schyman disse à rádio que o partido não havia recebido nenhuma cédula para as eleições europeias. Benny ligou para ela e perguntou que tipo de ajuda eles precisavam.

"Eu gosto de fazer a diferença para a democracia."

Durante os anos com o ABBA e Stikkan Anderson, isso irritou algumas vezes quando Stikkan falava para a banda inteira e dizia coisas como "todos os membros do ABBA são contra os impostos trabalhistas e contra a elevada carga fiscal na Suécia."

"Ele tinha uma propensão para dizer 'nós' quando queria dizer 'ele'. Tivemos uma série de conversas sérias com ele: Stickan, não diga NÓS quando na verdade é VOCÊ que quer comprar a Saxon & Lindstrom. Não diga NÓS quando você é contra os impostos trabalhistas dos empregados. Sim, sim, dizia Stikkan. Eu prometo."

"Mas isso não fez diferença."

Existe algum problema em ter tanto dinheiro como você tem?

"Nem um pouco! Mas se a pessoa tem dinheiro, ele deve ser compartilhado. Por exemplo, a pessoa pode começar pagando os impostos!"

A revelação do ABBA aconteceu em 1974, em meio ao movimento de esquerda. Um exemplo típico de comentários feitos por críticos musicais suecos da época foi uma resposta à pergunta... "O que o povo pensa sobre a música do ABBA?" (Uma manchete em que Mia Gerdin do jornal Dagen Nyheter comentou: "Merda glorificada".

"Cuidadosamente fabricado lixo musical internacional", disse Tommy Rander, um dos críticos do Aftonbladet. "Sua música é também calculada e não se sente espontaneidade. A música será um produto frio e insensível que é comercialmente vendido." "A letra é desanimada em sua banalidade. Mas é profissional", disse Christer Eklund, diretor editorial da coluna jovem da Rádio Sueca (e saxofonista na gravação de Waterloo!).

"Ele provavelmente ficou decepcionado quando não lhe permitimos tocar como ele queria."

Olhando para trás, os comentários parecem quase como caricaturas dos críticos de esquerda do ABBA. Mas naquele momento isso era sério.

Como se sentiu?

"Não me incomodei muito com as críticas, porque nós tínhamos o nosso público. Por outro lado, ninguém quer ser criticado de forma devastadora assim, em público. Mas a minha lembrança é o fato de que muitos dos nossos discos foram recebidos muito bem."

Apesar de ter sido nos anos 70 nem tudo tinha conotações políticas.

"Musicalmente, a música mais progressiva era inútil. Exceto para Hoola Bandoola Band e the National-teatern. Mas eu sinto falta hoje de não ter sido uma parte do movimento. Eu teria gostado de estar politicamente envolvido mesmo assim. Tomar parte nos protestos do Vietnã, por exemplo. Mas estávamos em outro lugar. Quando a montanha russa começou, depois de Waterloo, tudo o que podíamos fazer era apenas pegar e segurar. Chances como essa vêm em marcha de caracol e desaparecem num piscar de olhos! De repente estávamos com material quente, e entramos em um tipo de túnel de visão focado na carreira."

Na verdade eles foram número um do mundo.

O avô Efraim Anderson foi tesoureiro do Byggettan (um sindicato). Ambos, ele e o pai eram social-democratas.

"Uma vez eu me sentei no mesmo estúdio de TV em que Olof Palme estava, ele disse que queria dizer 'Olá' para o meu avô. Ele tinha acabado de chegar de Nässlingen, no arquipélago de Estocolmo, a ilha que o meu avô ajudou a União a comprar, a fim de que os trabalhadores comuns tivessem a oportunidade de comprar uma pequena casa de verão. Vovô já tinha morrido há 20 anos, mas Olof Palme estava de olho nos seus ideais. Palme era excelente! Incrivelmente capaz, com um carisma incrível."

"Eu trabalho todos os dias. Eu faço isso para usar o que tenho recebido na vida. Para ser "autêntico". Eu não me sinto uma fração do "ABBA Benny" ou "Benny Hep Stars". Não sou eu. Eu quero ficar com a música. Eu não faço um grande projeto musical há 15 anos, desde então."

Eu tenho a minha orquestra, e ela é maravilhosa. É um grande prazer estar com toda a banda e a camaradagem entre nós. Quando fazemos turnês, saímos com nossos cônjuges e filhos. Nós vivemos bem, comemos bem, saímos e tocamos. Mas prender algo por muito em meus dentes é realmente difícil. Algo que eu quase não consigo segurar!

O que acontece com o ABBA, com a sua música que continua a tocar mundo afora? Por que isso persiste? É claro que existem muitas respostas. Muitas sugestões têm sido consideradas "a mixagem, produção, músicos".

Mas a resposta de Benny é: "Melancolia disfarçada. Se você tocar a música puramente, sem qualquer enfeite, por exemplo, apenas em um piano, outra coisa se insinua. Não é tão alegre quanto parece. Talvez seja isso, mas na realidade eu não tenho ideia do porquê."

Em uma mesa em uma festa, ele se viu ao lado de uma mulher chamada Mona.

"Levei um quarto de hora para perceber que estava sentado ao lado de uma mulher que iria mudar a minha vida."

[Apenas] 15 minutos?

"Sim, eu não sei como isso aconteceu. Algo me atingiu. Era como se eu não tivesse escolha. Falamos sem parar por cerca de oito horas, mas não tenho ideia sobre o que! Eu era casado com Frida nessa época, e não interessava brincar com isso, por isso levamos três ou quatro meses antes de Mona e eu formarmos um casal correto."

O divórcio entre Frida e Benny se transformou em mais colunas nos jornais. Agora os dois casais do ABBA estavam divorciados. Os dias da banda junta estavam contados.

"Pessoalmente, eu acredito que o ABBA foi o que sustentou a vida nos relacionamentos e não o contrário, como a maioria das pessoas pensa."

Mona e Benny já estão juntos há 30 anos.

"Eu gosto de Mona, diz ele com um sorriso. Ela significa muito para mim. Eu fui afortunado em encontrar a mulher que abre o mundo para mim... que é mais sábia do que eu. Mona mudou a minha forma de encarar a realidade. Ela ajuda a abrir os meus olhos. Antes eu estava muito concentrado no meu próprio mundo, no meu mundo ABBA".

Benny em breve irá buscar a sua neta mais nova Viola, de 3 anos, em uma creche.

"Ela é realmente deslumbrante", diz ele prendendo os braços em direção ao seu peito como se a menina já estivesse em seu colo. "Muito inteligente, muito divertida! Muito linda. Dê uma olhada!"

Na foto em seu iPhone, Viola usa o vestido Madicken que a irmã Lisbet usou no filme. Ela está com o vestido da estilista Inger Elvira Pehrson. Sim, ele conhece "todo mundo".

"Sim, eu conheço muita gente. Mas o número dos meus amigos realmente próximos não é muito, cinco ou seis."

Enquanto conversamos, um rapaz com um rabo de cavalo vem correndo em nossa direção com um bloco: "Eu gostei realmente do seu hotel" Benny assina um autógrafo e diz "Obrigado".

Benny não toma bebida alcoólica há nove anos.

"É a melhor coisa que eu consegui para mim. Se você perceber que não se sente você mesmo se não tiver álcool no seu corpo, então é hora de parar."

Alguns podem beber. Outros não.

"Se eu não tivesse parado provavelmente não estaria sentado aqui hoje. O álcool é uma espécie de filtro que fica no caminho da realidade. Agora ele se foi, isso é bom. Mas 'a vida não é tão simples como os grupos de abstêmios fazem você acreditar', disse Sandemose."

O pequeno carro branco de Benny está do lado de fora do lobby do hotel. Lá estão apenas um pastor alemão e duas pessoas.

Um senhor idoso bate na janela do carro: "Você lembra de mim? Eu o levei para casa há 40 anos atrás. Numa manhã bem cedo. Você disse que iria comprar café para mim."

"Da próxima vez que nos encontrarmos, prometo que haverá refrescos. Eu preciso ir para o jardim de infância agora", diz Benny para Lundberg, que é como o idoso se apresenta. Lundberg não tem certeza do que Benny diz, mas ele concorda.

Fatos:
Nome: Göran Bror Benny Andersson.
Profissão: Gênio pop, compositor, acordeonista, professor, doutor honoris causa, colecionador de arte.
Nascimento: 16 de dezembro de 1946.
Onde mora: Djurgården, Estocolmo.
Compositor favorito: Johan Sebastian Bach.
O que está lendo: Agora mesmo Sara Stridsberg "extremamente talentosa e incomparável contadora de histórias."
Melhor prêmio: Ser eleito para o Rock and Roll Hall of Fame. "Com Elvis, Beatles, Stones, Carole King, Stevie Wonder, Michael Jackson...! Nós somos a única banda não anglo-saxônica!"
Cavalos de corrida: "Demais". Quatro na Inglaterra, cinco na Suécia.
Coleção de arte: Consiste principalmente em pinturas suecas do século passado e artistas contemporâneos.
Sua carreira em números: As vendas de discos desde 1972 passam de 375 milhões de cópias no mundo inteiro. Mamma Mia! O filme sozinho arrecadou mais de 4,8 bilhões. As botas plataforma do Eurovision Song Contest em Brighton em 1974 foram vendidas em Bukowski por 22 mil coroas suecas.

Fonte: Icethesite
Revista Vi, Suécia - Outubro de 2010

Créditos:

Entrevista: Kristina Lindström
Fotos: Elisabeth Ohlson Wallin
Tradução sueco-inglês: Icethesite
Tradução inglês-português: ABBA Brazil
Digitalização de fotos: Kaarin Goodburn

1 comments:

Alexandre Carvalho disse...

Maravilhoso, Adauto!

Há muito mais por trás de nossos ídolos do que é enxergado.

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